Covid-19: fechamento dos shoppings centers e os contratos de locação dos lojistas
Situação excepcional recomenda o diálogo como o melhor caminho, procedendo-se a uma negociação cooperativa a fim de atender todos interesses em jogo
- Contexto
Em artigo anterior (veja aqui) abordamos as possíveis repercussões da pandemia do novo coronavírus nos contratos em geral.
Agora, especificamente, iremos tratar da relação contratual mantida entre lojistas e shoppings centers. Caso você queria entender como funciona tal relação, clique aqui.
No Estado do Paraná, em virtude da pandemia, foi editado o Decreto 4.301/20, o qual determinou o fechamento dos shoppings centers a partir da data de 19/03/2020. Medida semelhante foi tomada pelo Estado de São Paulo.
Por evidente, tais medidas repercutem intensamente nas faculdades transferidas aos locatários de espaços em shopping centers, uma vez que ficam impedidos de explorar o local e auferir benefícios econômicos de tal exploração.
As medidas baixadas pelos governos estaduais são chamadas de “Fato do Príncipe”, que corresponde ao fato extracontratual praticado pela Administração que repercute no contrato. Ou seja, a restrição imposta não é imputável a nenhuma das partes no contrato. Embora tal classificação seja, em regra, utilizada no âmbito do direito administrativo e dos contratos administrativos, nada impede sua utilização para análise das repercussões de atos administrativos no âmbito de contratos pactuados entre particulares.
- Impossibilidade superveniente parcial e temporária de exploração da atividade econômica
Em virtude das determinações impostas, pode-se dizer que os lojistas estão impossibilitados de desempenhar/explorar suas atividades econômicas no local.
– é superveniente, pois a medida restritiva (no caso, impeditiva) é posterior à celebração do contrato;
– é parcial pois, embora o locatário esteja impedido de explorar economicamente o local, ainda é possuidor do bem, mantendo no local seus equipamentos e maquinários;
– é temporária pois, a partir da cessação das medidas impostas pelo Poder Público, as atividades serão retomadas.
- Possibilidade de redução proporcional do aluguel
O art. 567 do Código Civil contém a seguinte redação: Se, durante a locação, se deteriorar a coisa alugada, sem culpa do locatário, a este caberá pedir redução proporcional do aluguel, ou resolver o contrato, caso já não sirva a coisa para o fim a que se destinava.
A situação imposta pelo Poder Público pode ser entendida como “deterioração da coisa alugada sem culpa do locatário”. Isso porque, a partir do fechamento dos empreendimentos, fica o lojista/locatário impedido de desenvolver sua atividade econômica no local.
A princípio, não cabe a resolução do contrato, pois a impossibilidade de exploração é temporária. Certamente, a análise casuística poderá revelar situação excepcional, na qual seja possível pedir a extinção contratual.
A situação excepcional, por sua vez, permite que o contrato seja revisto ainda que não decorridos os 3 anos de vigência do contrato, conforme determina a Lei 8.245/91. Nesse ponto, cabe ressaltar que o Código Civil se aplica supletivamente aos contratos de locação comercial.
O desafio, nesse ponto, certamente é definir quais parâmetros serão utilizados para se definir a redução proporcional do aluguel cobrado (lembrando que, em regra, há o chamando “aluguel mínimo” e o “aluguel percentual”). Conforme mencionado anteriormente, não é possível simplesmente requerer o não pagamento integral dos alugueis devidos, pois a impossibilidade é parcial.
IMPORTANTE: para solicitar eventual redução proporcional do aluguel, é importante a análise individual do contrato firmado, uma vez que o lojista pode ter assumido o risco pelos pagamentos regulares mesmo em situações excepcionais (tal como o fechamento do empreendimento por determinação do Poder Público em virtude da pandemia), nos termos do art. 393 do Código Civil.
- Negociação Cooperativa
O momento é oportuno para que as partes se engajem na chamada “Negociação Cooperativa”.
As negociações podem ser analisadas com base na teoria dos jogos e ser interpretadas como jogos competitivos, denominados distributivos, ou como jogos cooperativos, denominados integrativos.
Nas negociações competitivas, todas as partes têm conflitos de preferências ou disputas de interesses com diferentes possibilidades de acordos. As negociações com características de jogos competitivos apresentam-se limitadas, estéreis, rígidas e posicionais. A negociação posicional caracteriza-se pelo jogo do ganha-perde (win-lose), em que, para que uma parte possa ganhar, necessariamente a outra parte perderá. Nessas negociações ambas as partes acreditam que ganharão mais se competirem por melhores resultados. Um jogo ganha-perde puro é difícil ocorrer, uma vez que o elemento relacionamento, que envolve as pessoas, faz parte das negociações. Na verdade, a maioria dos jogos tem elementos distributivos e integrativos.
As negociações desenvolvidas como jogos cooperativos são mais ricas, envolvem os interesses, criam valores e distribuem melhor os valores identificados. Nesses jogos integrativos, em que as duas partes ganham, a comunicação prévia e a busca conjunta de dados são recomendáveis. A realização de acordos só é alcançada com a colaboração de todas as partes. Um jogo ganha-ganha (win-win) é ótimo quando o melhor resultado obtido é aquele que é bom para todas as partes. Na teoria dos jogos, essa posição se denomina Equilíbrio de Nash. Um jogo ganha-ganha puro, na prática, é muito difícil de ocorrer, na medida em que os recursos são escassos para atender às partes.
Uma das etapas desse processo de negociação cooperativa é a CRIAÇÃO DE VALOR.
A criação de valor refere-se ao que se faz para explorar (compreender) os interesses de ambas as partes, criando opções de acordos. Nessa etapa, prevalece a busca de soluções que sejam vantajosas e permitam expandir o conjunto de opções de benefícios mútuos viáveis para ambas as partes.
Para conseguir criar valor, seguem algumas estratégias:
1- Cultive confiança e compartilhe informações: lembre-se que benefícios de longo prazo são mais importantes que ganhos isolados;
2- Faça perguntas para entender os interesses da outra parte da melhor maneira possível;
3 -Revele informações estrategicamente;
4- Faça múltiplas ofertas simultaneamente: Não se deve colocar, de imediato, uma oferta na mesa, antes da coleta de informações. Ao fazer variadas ofertas, a empresa aparenta ser mais flexível e tem a oportunidade de coletar informações valiosas, permitindo que sejam identificadas novas oportunidades para trocas.
Para ganhos mútuos, é importante que as informações estejam disponíveis e que a comunicação seja clara e criativa, enfatizando a resolução conjunta de problemas. Além disso, deve-se explorar o interesse da outra parte, assim como buscar fazer com que a outra parte compreenda as razões por trás das coisas que você deseja.
Enfim, essa é apenas uma etapa do processo de negociação, e que pode ser útil não só nesse momento excepcional, mas nas negociações empresariais em geral.
- A posição da ABRASCE e da ALSHOP
Aparentemente, já há um conflito entre a Associação Brasileira de Shopping Centers (ABRASCE) e a Associação Brasileira de Lojistas de Shopping (ALSHOP), conforme se verifica na matéria publicada no dia 24/03/2020 na revista EXAME.
Conforme defendido neste artigo, entendemos a negociação cooperativa, com redução proporcional do aluguel, é o melhor caminho.
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