Os reflexos jurídicos do coronavírus nos contratos
Pandemia afeta setores da economia e impactará, principalmente, pequenos e médios empresários. E os contratos, como ficam?
O coronavírus e seus impactos na economia mundial dispensam apresentações. Não há outro assunto nos noticiários, grupos de WhatsApp, rodas de conversa (que ainda perduram). Enfim, os reflexos da pandemia já são de conhecimento geral.
Analisaremos, agora, os possíveis reflexos da pandemia sobre os contratos já firmados.
- O que é a “resolução” contratual?
A resolução contratual é consequência de um fato superveniente à celebração do contrato, com efeito extintivo sobre a relação bilateral. Em outras palavras, a resolução contratual é a extinção do contrato em função de fatos supervenientes à sua celebração.
Três circunstâncias conduzem à resolução contratual por inadimplemento absoluto. São elas:
- a) quando a prestação não é mais capaz de satisfazer os interesses objetivos do credor (art. 475 do Código Civil);
- b) quando a prestação se tornou objetivamente impossível (arts. 234, 235, 238 e 256 do Código Civil) – inadimplemento fortuito;
- c) quando a prestação se tornou inexigível pela alteração superveniente das circunstâncias (art. 478 do Código Civil) – Teoria da Imprevisão;
Para análise dos efeitos do coronavírus sobre os contratos, vamos restringir o estudo às hipóteses das letras “b” e “c”.
- Impossibilidade superveniente da prestação – INADIMPLEMENTO FORTUITO
Há impossibilidade superveniente da prestação quando esta não for realizável em virtude de barreiras de ordem física ou jurídica, seja por ter perecido, seja por exigir esforços extraordinários, injustificáveis em face das circunstâncias.
Essa impossibilidade pode ser com ou sem culpa do devedor.
Caso a impossibilidade superveniente não tenha sido por culpa do devedor, este ficará liberado de arcar com eventuais perdas e danos, e não precisará pagar nenhum tipo de indenização ao credor, o que não aconteceria caso tivesse culpa.
Para saber se há ou não culpa do devedor, deve-se verificar se, no caso concreto, constatou-se a ocorrência de caso fortuito ou força maior. Apesar de haver quem as diferencie, a consequência delas é a mesma, qual seja, a resolução (extinção) contratual.
Por outro lado, a característica principal do caso fortuito/força maior é a inevitabilidade/imprevisibilidade, isso é, a impossibilidade de serem evitadas por forças humanas.
Mas ATENÇÃO: pode ser previsto no contrato que o devedor arcará com eventuais prejuízos, mesmo na ocorrência de caso fortuito/força maior. Em acréscimo, o devedor também não será liberado da sua obrigação, caso já estivesse em mora (em atraso) ao tempo que se impossibilitou a prestação, mesmo que a impossibilidade advenha de caso fortuito/força maior.
- A inexigibilidade da prestação pela alteração superveniente das circunstâncias – TEORIA DA IMPREVISÃO
A resolução por alteração superveniente das circunstâncias decorre de perturbações econômicas, por acontecimentos extraordinários, que desvirtuam o equilíbrio do contrato, o que conduz um dos contratantes à posição de onerosidade excessiva.
A Teoria da Imprevisão é o substrato teórico que permite rediscutir os preceitos contidos em uma relação contratual, em face da ocorrência de acontecimentos novos, imprevisíveis pelas partes e a elas não imputáveis. Essa teoria interessa aos contratos de execução continuada ou de trato sucessivo, sendo inútil para contrato de execução imediata.
No direito contemporâneo, a alteração radical das condições econômicas dentro das quais o contrato foi celebrado tem sido considerado uma das causas que, com o concurso de outras circunstâncias, podem determinar a sua resolução (extinção). Isso porque em todo contrato de prestações sucessivas, haverá sempre uma cláusula implícita de que a convenção não permanece em vigor se as coisas não permanecerem (“rebus sic stantibus”) como eram no momento da celebração.
Diferentemente da situação acima (resolução por impossibilidade superveniente da prestação), aqui a prestação ainda é possível, embora “penosa” (em tese, não haveria, ainda, um inadimplemento absoluto e, por isso, permite-se a revisão contratual, em vez da extinção). Ademais, no caso de impossibilidade de prestação, parte-se do pressuposto de que o credor já perdeu o interesse no adimplemento, ao passo que, na alteração superveniente das circunstâncias, esse interesse ainda pode existir. Por fim, tem-se que a teoria da imprevisão só é aplicada a contratos de duração continuada.
Para que um contrato seja extinto com base nessa hipótese, necessário três fatores:
- i) onerosidade excessiva;
- ii) acontecimento imprevisível superveniente: a imprevisibilidade deve ser objetiva, ou seja, independe da análise da situação psíquica das partes. Equivale dizer que o fato é anômalo ou anormal. A imprevisibilidade abrange não só o fato em si, mas as consequências que ele acarreta
- iii) extrema vantagem para a outra parte: esse requisito é polêmico. Entende-se que mesmo que não seja demonstrada a extrema vantagem para a outra parte, será legítimo solicitar ao judiciário a resolução contratual.
Da mesma forma que no inadimplemento fortuito, o devedor não pode se valer da Teoria da Imprevisão caso já estivesse em mora quando da alteração das circunstâncias.
- Teoria da Imprevisão X Inadimplemento Fortuito
Embora muito próximos, cabe distinguir a teoria da imprevisão do denominado inadimplemento fortuito.
O caso fortuito ou a força maior, institutos com sede legal própria no Código Civil (art. 393), e, bem assim, principiologia específica, resultam no inadimplemento fortuito da obrigação, sem que, com isso, se imponha a qualquer das partes a obrigação de indenizar, em regra.
A Teoria da Imprevisão, por sua vez, pode ensejar uma revisão dos termos do contrato, podendo gerar, na repactuação, um dever de ressarcir parcelas pagas ou gastos feitos, bem como até mesmo indenizar pela extinção da avença.
- Afinal, qual teoria aplicar aos contratos afetados pelo coronavírus?
Entendo que a análise deverá ser casuística. Em contratos de execução continuada (de trato sucessivo), cujo interesse na prestação, por parte do credor, ainda exista, parece-me que é o caso de aplicar a Teoria da Imprevisão. Isso porque, neste caso, preenchidos os requisitos, o contrato pode ser revisto, e não extinto.
Já quando se tratar de contrato de execução imediata, não havendo mais interesse do credor na prestação, parece-me ser o caso de se aplicar o inadimplemento fortuito, com a consequente extinção da avença.
De qualquer forma, a aplicação de ambas teorias permite a extinção do contrato e, em regra, sem ônus ao devedor.
De qualquer forma, o Judiciário ainda irá se manifestar sobre a questão, pois, certamente, com o fim dessa pandemia, muitos recorrerão à Justiça para extinguir/revisar suas obrigações contratuais que foram afetadas pela COVID-19.
- Algumas notas explicativas
– Há aqueles que diferenciam Teoria da Imprevisão e Teoria da Onerosidade Excessiva;
– Em relações consumeristas, aplica-se a Teoria da Base Objetiva do Negócio, cuja diferença primordial em relação à Teoria da Imprevisão é que aquela não requer a imprevisibilidade do fato;
– Há aqueles que entendem legal a previsão de cláusula contratual afastando a Teoria da Imprevisão.
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Danielle
24/03/2020 @ 15:07
Muito esclarecedor para este momento em que estamos vivendo. Obrigada pela colaboração
Maruan Tarbine
08/12/2020 @ 17:44
Obrigado, ficamos à disposição