O locador quer reaver o imóvel do seu ponto comercial? Saiba como agir
Você sabia que a lei confere uma proteção especial às locações comerciais? É isso que veremos nesse artigo
A locação de imóveis urbanos
A locação de imóveis urbanos é regulamentada pela Lei nº 8.245/1991, a famosa Lei do Inquilinato.
Salvo as exceções elencadas no art. 1º da referida lei, todas as locações de imóveis urbanos deverão observar a Lei do Inquilinato.
Essa lei contém disposições tanto sobre locações para fins residenciais, quanto para fins não residenciais, ou seja, a locação comercial.
Portanto, as considerações que faremos neste artigo tomarão como base a Lei do Inquilinato. Quando não houver expressa referência à determinada lei, é a ela que estamos nos referindo.
Uma história não incomum…
Imagine a seguinte situação hipotética:
Pedro é um jovem que sempre foi apaixonado por culinária.
Desde cedo se interessava pelo assunto, mas o que Pedro gostava mesmo era da culinária mediterrânea.
Para aperfeiçoar suas habilidades nesse tipo de culinária, Pedro morou em vários países europeus por alguns anos.
No retorno ao Brasil, o jovem foi contratado por um conceituado restaurante na cidade de São Paulo/SP.
Após mais alguns anos, o jovem, não tão jovem agora, resolve abrir seu próprio restaurante, empreendimento que levará a sua “marca”.
Pedro firma, então, com o dono do local, um contrato escrito de locação, cujo prazo é de 03 anos.
As coisas parecem caminhar bem para Pedro e, ao final desses três anos, Pedro procurar o dono do imóvel para firmarem um novo contrato, por mais três anos.
Quando o contrato entra no último ano de vigência, Pedro já está cogitando mais uma renovação, quando, então, é surpreendido pelo dono do imóvel, Antônio, que afirma que não irá mais renovar o contrato e que, ao final do período, irá reaver o bem imóvel.
E agora, o que fazer?!
A proteção do ponto comercial
A história acima é muito mais comum do que se pensa.
Tanto assim o é que a legislação previu uma forma de proteger o ponto comercial dos locatários, e a eles franqueou meios para tanto.
Vamos ver o que a lei diz:
Art. 51. Nas locações de imóveis destinados ao comércio, o locatário terá direito a renovação do contrato, por igual prazo, desde que, cumulativamente:
I – o contrato a renovar tenha sido celebrado por escrito e com prazo determinado;
II – o prazo mínimo do contrato a renovar ou a soma dos prazos ininterruptos dos contratos escritos seja de cinco anos;
III – o locatário esteja explorando seu comércio, no mesmo ramo, pelo prazo mínimo e ininterrupto de três anos.
Caso o locatário preencha os requisitos acima, poderá ajuizar o que chamamos de ação renovatória e “forçar” o locatário a renovar o contrato.
Vamos ver se Pedro poderá se valer desse instrumento?
- a) O contrato foi celebrado por escrito? SIM;
- b) O contrato foi celebrado por prazo determinado? SIM;
- c) O prazo do contrato a renovar é de 5 anos ou mais? NÃO, porém, a lei permite a SOMA de prazos ininterruptos dos contratos escritos. No caso, se somarmos os prazos dos contratos por escrito, teremos um total de 06 (seis) anos;
- d) Pedro explora o mesmo comércio, no mesmo ramo, por no mínimo três anos ininterruptos? SIM, Pedro explora o restaurante há quase 6 anos já.
Quando a ação renovatória deve ser ajuizada?
Agora, é preciso atentar que há um prazo para ajuizar essa ação.
Veja o que diz a lei:
- 5º Do direito a renovação decai aquele que não propuser a ação no interregno de um ano, no máximo, até seis meses, no mínimo, anteriores à data da finalização do prazo do contrato em vigor.
Assim, não durma no ponto!
Veja que há prazo mínimo e prazo máximo para ajuizar a ação renovatória. Ou seja, não adianta propor a ação nem antes e nem depois do prazo.
Caso o prazo seja perdido, o locatário não fará jus nem à renovação e nem à eventual indenização pela “perda” do ponto.
Na sequência, um julgado nesse sentido:
“Ação de despejo por denúncia vazia. Locação de imóvel comercial. Prorrogação do contrato por prazo indeterminado. Indenização por fundo de comércio. Tendo em vista que o réu, locatário, não ajuizou, no prazo previsto na Lei do Inquilinato, a competente ação renovatória, não pode requerer, após a prorrogação do contrato por prazo indeterminado, a condenação da autora, locadora, ao pagamento de indenização relativa ao fundo de comércio. Aplicação do brocado latino ‘dormientibus non sucurrit jus’. Ausência de má-fé da Autora. Recurso do réu não provido”
Por qual prazo o contrato será renovado?
Há aqueles que sustentam que o contrato será renovado pelo mesmo prazo do contrato a ser renovado.
No nosso exemplo, o contrato de Pedro será renovado por três anos, na medida em que o contrato a renovar foi firmado por esse prazo.
Porém, o entendimento majoritário, e que foi firmado pelo STJ no REsp 1.323.410 foi no sentido de que o contrato será renovado pelo prazo fixo de 5 anos, e não pelo prazo estipulado no contrato a renovar, seja ele maior ou menor, conforme lemos abaixo:
“ Recurso especial. Ação renovatória de contrato. Locação comercial. ‘Accessio temporis’. Prazo da renovação. Artigos analisados: Art. 51 da Lei 8.245/91. 1. Ação renovatória de contrato de locação comercial ajuizada em 09.06.2003. Recurso especial concluso ao Gabinete em 07.12.2011. 2. Discussão relativa ao prazo da renovação do contrato de locação comercial nas hipóteses de ‘accessio temporis’. 3. A Lei 8.245/91 acolheu expressamente a possibilidade de ‘accessio temporis’, ou seja, a soma dos períodos ininterruptos dos contratos de locação para se alcançar o prazo mínimo de 5 (cinco) anos exigido para o pedido de renovação, o que já era amplamente reconhecido pela jurisprudência, embora não constasse do Decreto nº 24.150/1934. 4. A renovatória, embora vise garantir os direitos do locatário face às pretensões ilegítimas do locador de se apropriar de patrimônio imaterial, que foi agregado ao seu imóvel pela atividade exercida pelo locatário, notadamente o fundo de comércio, o ponto comercial, também não pode se tornar uma forma de eternizar o contrato de locação, restringindo os direitos de propriedade do locador, e violando a própria natureza bilateral e consensual da avença locatícia. 5. O prazo 5 (cinco) anos mostra-se razoável para a renovação do contrato, a qual pode ser requerida novamente pelo locatário ao final do período, pois a lei não limita essa possibilidade. Mas permitir a renovação por prazos maiores, de 10, 15, 20 anos, poderia acabar contrariando a própria finalidade do instituto, dadas as sensíveis mudanças de conjuntura econômica, passíveis de ocorrer em tão longo período de tempo, além de outros fatores que possam ter influência na decisão das partes em renovar, ou não, o contrato. 6. Quando o art. 51, ‘caput’, da Lei 8.245 dispõe que o locatário terá direito à renovação do contrato ‘por igual prazo’, ele está se referido ao prazo mínimo exigido pela legislação, previsto no inciso II do art. 51 da Lei 8.245/91, para a renovação, qual seja, de 5 (cinco) anos, e não ao prazo do último contrato celebrado pelas partes. 7. A interpretação do art. 51, ‘caput’, da Lei 8.245/91, portanto, deverá se afastar da literalidade do texto, para considerar o aspecto teleológico e sistemático da norma, que prevê, no próprio inciso II do referido dispositivo, o prazo de 5 (cinco) anos para que haja direito à renovação, a qual, por conseguinte, deverá ocorrer, no mínimo, por esse mesmo prazo. 8. A renovação do contrato de locação não residencial, nas hipóteses de ‘accessio temporis’, dar-se-á pelo prazo de 5 (cinco) anos, independentemente do prazo do último contrato que completou o quinquênio necessário ao ajuizamento da ação. O prazo máximo da renovação também será de 5 (cinco) anos, mesmo que a vigência da avença locatícia, considerada em sua totalidade, supere esse período. 9. Se, no curso do processo, decorrer tempo suficiente para que se complete novo interregno de 5 (cinco) anos, ao locatário cumpre ajuizar outra ação renovatória, a qual, segundo a doutrina, é recomendável que seja distribuída por dependência para que possam ser aproveitados os atos processuais como a perícia. 10. Conforme a jurisprudência pacífica desta Corte, havendo sucumbência recíproca, devem-se compensar os honorários advocatícios. Inteligência do art. 21 do CPC [atual art. 86] c/c a Súmula 306/STJ. 11. Recurso especial parcialmente provido”
É preciso que haja alguma atividade empresarial no imóvel
Como dito antes, a proteção que a lei confere é ao chamado “ponto comercial”.
Disso decorre que, se não houver atividade empresarial desenvolvida no imóvel, e, por consequência, não havendo ponto comercial e clientela, não há o direito à renovação do contrato.
A jurisprudência costuma negar o direito à renovação compulsória nos casos de estacionamentos, por exemplo, conforme se vê abaixo:
“Locação. Ação renovatória. Serviços de estacionamento localizado em condomínio terceirizados a administradora. Locação atípica de prestação de serviços. Ausência de fundo de comércio necessário ao direito de renovação compulsória do contrato locativo. Regência do Código Civil. Incidência do art. 1º, parágrafo único, letra ‘a’, item 2, da
Lei 8.245, de 18.10.1991. Extinção do processo mantida. Apelação improvida. 1. O contrato de locação de espaço para estacionamento em condomínio edilício, firmado com empresa administradora, configura, na sua essência, mera terceirização dos serviços de controle de estacionamento de veículos automotores. 2. Como os usuários se utilizam do espaço alugado, apenas como meio para a procura das atividades exercidas nas unidades condominiais, não conferem ao locador o reconhecimento de ponto ou fundo comercial protegido pela Lei nº 8.245/1991 na forma do art. 1º, parágrafo único, letra ‘a’, item2, desse Diploma Legal, tais contratos são regidos pelo Código Civil” (TJSP, Apelação 001.25.165500-2/SP, 26ª Câmara de Direito Privado, Rel. Norival Oliva, j. 14.04.2009).
Cuidados que o locatário deve ter
Uma diligência que poucos locatários tomam, mas que deveriam fazer, é inserir cláusula de vigência nos contratos de locação não residencial e, ainda, registrar tal contrato junto ao Cartório de Registo de Imóveis das circunscrição imobiliária competente.
O registro da locação e a aposição de cláusula de vigência impede que o locatário seja obrigado a deixar o imóvel antes de findado o prazo, caso haja sua alienação durante o período de locação.
Em quais casos o locador não estará obrigado a renovar o contrato de locação?
Embora a lei preveja mecanismo de proteger o ponto comercial do locatário, elas também prevê exceções a esse direito, elencando os casos nos quais, mesmo havendo o preenchimento daqueles requisitos, não haverá a renovação compulsória da locação.
São essas as hipóteses:
Art. 52. O locador não estará obrigado a renovar o contrato se:
I – por determinação do Poder Público, tiver que realizar no imóvel obras que importarem na sua radical transformação; ou para fazer modificações de tal natureza que aumente o valor do negócio ou da propriedade;
II – o imóvel vier a ser utilizado por ele próprio ou para transferência de fundo de comércio existente há mais de um ano, sendo detentor da maioria do capital o locador, seu cônjuge, ascendente ou descendente.
1º Na hipótese do inciso II, o imóvel não poderá ser destinado ao uso do mesmo ramo do locatário, salvo se a locação também envolvia o fundo de comércio, com as instalações e pertences.
2º Nas locações de espaço em shopping centers, o locador não poderá recusar a renovação do contrato com fundamento no inciso II deste artigo.
3º O locatário terá direito a indenização para ressarcimento dos prejuízos e dos lucros cessantes que tiver que arcar com mudança, perda do lugar e desvalorização do fundo de comércio, se a renovação não ocorrer em razão de proposta de terceiro, em melhores condições, ou se o locador, no prazo de três meses da entrega do imóvel, não der o destino alegado ou não iniciar as obras determinadas pelo Poder Público ou que declarou pretender realizar.
Conclusão
No nosso caso hipotético, é bem provável que a história terá uma final feliz para Pedro, caso ele ajuíze ação no prazo e não se faça presente nenhuma hipótese descrita no art. 52, conforme item 8 acima.
Mas atenção: sempre antes de firmar um contrato de locação comercial, consulte um advogado, seja você locador, seja você locatário. Um contrato bem feito evitará problemas futuros!
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Valter Ferreira de Oliveira
05/07/2023 @ 20:59
Muito bom e esclarecedor
Maruan Tarbine
07/07/2023 @ 17:36
Obrigado Valter
EUDES RODRIGUES DOS SANTOS
01/12/2023 @ 10:13
Bastante claro e proveitoso!