Contrato de empreitada: o que é e como funciona?
Nesse artigo, iremos abordar o que é e como funciona o contrato de empreitada, além de discorrer a respeito da responsabilidade do empreiteiro.
Afinal, o que é uma empreitada?
Embora seja comum as pessoas associarem empreitada à construção civil, a verdade é que o contrato de empreitada é bem mais amplo, e pode incluir, até mesmo, trabalhos intelectuais.
Assim, não devemos restringir a empreitada a obras relacionadas à construção civil, podendo incluir outros serviços, tais como uma confecção de vestido de noiva, a fabricação de móveis, o serviço de organização de eventos, etc.
A empreitada, então, pode ser entendida como o negócio jurídico pelo qual uma das partes, o empreiteiro, se obriga perante outra (chamado de dono da obra, ou comitente) à realização de determinada obra, por si ou com a ajuda de terceiros, mediante o pagamento de um determinado preço, sem que se configure relação de dependência ou subordinação entre o empreiteiro e o comitente. Embora o comitente também seja chamado de “dono da obra”, ressaltamos, mais uma vez, que empreitada não se restringe ao campo da construção civil.
Obrigação qualificada pelo resultado
No direito das obrigações, costuma-se classificar as obrigações em obrigações de meio e obrigações de resultado.
O exemplo clássico de cada uma delas é a cirurgia médica.
Uma cirurgia de emergência, em uma pessoa acidentada e que está à beira de morte, é uma obrigação de meio. Quer dizer, deve o médico empregar todos os meios disponíveis ao seu alcance para salvar o paciente, não havendo obrigação de resultado, que é salvar a vida do enfermo. Em tese, haverá sua responsabilidade caso se demonstre que houve “falha” no emprego dos meios disponíveis para salvar o paciente.
Já a obrigação de resultado é a cirurgia plástica, meramente estética, na qual o médico se compromete a entregar determinado resultado (havendo permissão de alguma variação dentro dos limites aceitáveis, dado que organismos reagem de forma diferente).
Pois bem, seguindo essa lógica, a empreitada é o trabalho humano em sentido objetivo direcionado à obtenção de um determinado resultado final. É por isso que ela é classificada como uma obrigação de resultado. Interessa o resultado almejado. É esperado a entrega de um produto final que atenda às legítimas expectativas do dono da obra quanto à qualidade esperada.
É por isso que a empreitada não se confunde com a mera prestação de serviços. O prestador de serviços não se vincula a um resultado previamente determinado.
Ausência de subordinação
Se você reparar, no tópico 1 dissemos que é característico da empreitada não haver subordinação entre o empreiteiro e o comitente (também chamado de dono da obra).
E por que isso é importante?
Havendo subordinação do empreiteiro ao comitente, poderemos estar diante de um verdadeiro contrato de emprego, camuflado em um contrato de empreitada. O mero fato de as partes o designarem de “empreitada” é irrelevante caso se façam presente os elementos que caracterizam uma relação de emprego, submetendo a relação aos ditames da Consolidação das Leis do Trabalho e aos consectários daí provenientes, notadamente os direitos trabalhistas.
Espécies de empreitada
Costuma-se dividir a empreitada em duas modalidades:
- a) empreitada de mão de obra (ou de lavor): nesses caso, o empreiteiro emprega apenas a mão de obra, sem fornecer o material;
- b) empreitada mista: aqui, além de realizar a obra, o empreiteiro também fornece os materiais que serão empregados.
Não havendo nada no contrato, entende-se que a empreitada é a de mão de obra.
Aplica-se o direito do consumidor?
Em muitas ocasiões, o contrato de empreitada pode restar caracterizado como um contrato de consumo, desde que o empreiteiro seja enquadrado como fornecedor, e o comitente (dono da obra) seja enquadrado como consumidor.
E quando isso acontece?
Quando o empreiteiro desenvolve seu trabalho em favor de uma pessoa física ou jurídica que irá utilizar a “obra” como destinatário final.
E qual a consequência disso?
Em nossa opinião, a principal consequência disso é que a responsabilidade civil do empreiteiro será aferida à luz do Código de Defesa do Consumidor, ou seja, a responsabilidade será, como regra, objetiva. É dizer, não irá se discutir a presença ou ausência de culpa.
É preciso alertar, porém, que, mesmo sendo o empreiteiro um fornecedor, e o dono da obra um consumidor, a responsabilidade será subjetiva (na qual é preciso comprovar a culpa) quando o empreiteiro for um profissional liberal.
Ainda, quando estamos diante de um contrato de consumo, as cláusulas contratuais devem ser interpretadas de maneira mais favorável ao consumidor, conforme determina expressamente o art. 47 do CDC.
E se o empreiteiro morrer?
Em regra, a empreitada não é um contrato personalíssimo, ou seja, não se faz a contratação de empreiteiro visando suas qualidades pessoais intrínsecas. Nesse caso, haverá a substituição do empreiteiro pelos sucessores.
Mas, atenção: é possível que em determinados contratos haja a natureza personalíssima do contrato, o que acarretará, naturalmente, a sua extinção, com a o ocorrência da morte do empreiteiro. Como exemplo, a encomenda de um vestido de noiva por um renomado estilista.
Tudo isso consta no art. 626 do Código Civil.
Por outro lado, sendo o empreiteiro pessoa jurídica, o artigo acima não se aplica. A falência da empreiteira, por sua vez, não implica, necessariamente, a extinção do contrato de empreitada
Pode haver a subempreitada?
Como dissemos acima, a empreitada, em regra, não é um contrato personalíssimo.
Dito isso, não há, em regra, proibição de o empreiteiro transferir a terceiros suas obrigações. Esse terceiro é chamado de subempreiteiro. Quer dizer: quem estava encarregado de executar uma obra repassa a outro a sua realização, total ou parcial. Nesse caso, o dono da obra não fica obrigado a nada perante o subempreiteiro, mas apenas ao empreiteiro.
Mas, não confunda: não há uma cessão do contrato. Na cessão, o cedente transfere sua posição contratual completa para o terceiro, com o consentimento do dono da obra, não mais participando dessa relação jurídica, havendo a ruptura do vínculo contratual originário.
Ressalte-se que, havendo relação de consumo, o empreiteiro e o subempreiteiro respondem solidariamente perante o consumidor em virtude de defeitos do produto ou serviço que lhe acarretem prejuízos, conforme determina o parágrafo único do art. 7º do Código de Defesa do Consumidor.
O preço da empreitada
O contrato de empreitada pode ser firmado por preço determinado ou por unidade de medida.
No primeiro caso, em regra, é fixado o preço certo para a totalidade da obra, não havendo previsão para reajuste da remuneração, mesmo que haja acréscimo nos materiais ou mão de obra, conforme pontua o art. 619 do Código Civil, salvo ajuste em contrário das partes. É claro que, aqui, também, é possível suscitar a Teoria da Imprevisão.
Já na empreitada por unidade de medida a obra é entregue em partes distintas, havendo o recebimento das prestações parciais à medida em que o empreiteiro vai concluindo o cronograma.
- Até quando o empreiteiro pode cobrar a sua remuneração após executada a obra?
O prazo para cobrança da remuneração é de 5 anos, contados do inadimplemento contratual.
Havendo título executivo extrajudicial, faculta-se ao empreiteiro a execução de tal título.
O STJ já decidiu, entretanto, que caso o prestador de serviço não seja um profissional com conhecimento técnico ou o serviço não tenha natureza preponderantemente intelectual ou técnica, o prazo prescricional será de dez anos. O leading case tratava de ação de cobrança por parte de um mecânico de automóveis.
O atraso na obra
O dono da obra pode recusar a recebe-la em caso da entrega em atraso?
Entende-se que não.
Nessa hipótese, pode o dono da obra pleitear indenização em virtude de eventual prejuízo sofrido.
Da mesma forma, eventual dano moral precisa ser comprovado, não bastando a sua mera alegação.
Ou seja, tanto o dano material, quanto o dano moral, precisam ser provados.
A responsabilidade do empreiteiro
Esse é, talvez, o tema que mais interessa, seja ao empreiteiro, seja ao dono da obra. É preciso dizer que a responsabilidade acompanha a natureza do contrato. Ou seja, em se tratado de contrato entre civis, a responsabilidade será aferida de uma forma. Já em se tratando de contrato de consumo, a responsabilidade será aferida de outra forma.
Vejamos o que diz o Código Civil sobre o assunto:
Art. 618. Nos contratos de empreitada de edifícios ou outras construções consideráveis, o empreiteiro de materiais e execução responderá, durante o prazo irredutível de cinco anos, pela solidez e segurança do trabalho, assim em razão dos materiais, como do solo.
Parágrafo único. Decairá do direito assegurado neste artigo o dono da obra que não propuser a ação contra o empreiteiro, nos cento e oitenta dias seguintes ao aparecimento do vício ou defeito.
O artigo acima é interpretado da seguinte forma: durante o prazo de 5 anos de garantia, a responsabilidade do empreiteiro é objetiva, não havendo discussão sobre eventual culpa. Mas, veja, esse sistema de garantia só se aplica aos vícios que acarretem risco à solidez ou à segurança de prédios que constituam edifícios ou construções consideráveis.
Para parte da doutrina, essa responsabilidade objetiva quinquenal não se aplica à empreitada da mão de obra, mas apenas à empreitada mista.
Segurança e solidez abrangem qualquer problema que impeça a regular condição de salubridade e habitação do prédio, podendo neles serem consideradas problemas atinentes à infiltrações e a rede de esgotos.
Como o prazo legal é mínimo, caso as partes prevejam no contrato um garantia de dois anos, interpreta-se que essa garantia é adicional aos 5 anos, havendo, então, a garantia pelo prazo de 7 anos.
Porém, caso o vício ou defeito seja descoberto dentro dos 5 anos da entrega da obra, o comitente (dono da obra) deverá reclamar o desfazimento do contrato em até 180 dias.
Passado tal prazo de 180 dias, poderá pleitear perdas e danos, no prazo de 3 anos contados do conhecimento do fato, e deverá ser comprovada a culpa do empreiteiro.
É nesse sentido o enunciado 181 da III Jornada de Direito Civil, abaixo transcrito:
“O prazo referido no art. 618, parágrafo único, do Código Civil refere-se unicamente à garantia prevista no caput, sem prejuízo de poder o dono da obra, com base no mau cumprimento do contrato de empreitada, demandar perdas e danos.”
Em se tratando de uma relação de consumo, o prazo para ação indenizatória é de 5 anos contados da data do conhecimento do fato. Nesse caso, a responsabilidade do empreiteiro se mantém objetiva.
Porém, recentemente, o STJ vem adotando a tese de qual tal prazo, na verdade, é decenal, conforme se vê abaixo (AREsp 747.980/SP):
AGRAVO REGIMENTAL NO AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL. CONTRATO DE EMPREITADA. RELAÇÃO DE CONSUMO. REEXAME DE MATÉRIA FÁTICO-PROBATÓRIA. SÚMULA Nº 7/STJ. PRAZO PRESCRICIONAL. DECENAL. DECADÊNCIA. INCIDÊNCIA.
- Inviável, na estreita via do recurso especial, o reexame das premissas de fato que levaram as instâncias ordinárias a concluir pela existência de relação de consumo, por força da Súmula nº 7/STJ.
- Esta Corte entende que o prazo prescricional é de dez anos para a propositura da ação de indenização pelos prejuízos decorrentes de contrato de empreitada.
- Não se aplica o prazo decadencial do art. 26 do CDC nas ações que buscam o recebimento de indenização por danos decorrentes de falha na prestação do serviço.
- Agravo regimental não provido.
Sendo uma relação consumerista, coloca-se à disposição do consumidor as opções existentes no art. 20 do Código de Defesa do Consumidor, desde que exercidas dentro do prazo de 90 dias da entrega da obra ou da descoberta do vício (sendo o vício oculto).
Mas até quando o consumido pode se valer desse prazo de 90 dias para pleitear aquelas opções? Como não há, no CDC, prazo específico para garantia da obra, há aqueles que advogam que o prazo de 90 dias para optar por um das alternativa do art. 20 é de 5 anos da garantia legal, nos termos do art. 618 do Código Civil.
Porém, ressalte-se que esse prazo de 90 dias, previsto no CDC, diz respeito apenas às opções elencadas no art. 20 daquele Código, não tendo relação com eventual ação indenizatória, que se sujeita ao prazo prescricional, que, segundo o STJ, é de dez anos.
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