Seu CPF está em risco?
A pressa de alguns empreendedores para dar início às atividades pode colocar o patrimônio pessoal em risco
Neste artigo, iremos abordar uma das principais cautelas que devem ser tomadas antes pelos empresários antes de iniciarem as atividades. Porém, caso seu negócio já esteja em funcionamento, este artigo também poderá ser útil para você.
Se você ler até o final, vai entender o porquê.
- Da idealização ao início das atividades
Pedro, João e Mário eram amigos de longa data. Amante da culinária, Pedro sabia como ninguém fazer uma pizza no forno à lenha. Em um sábado à noite, convidou seus amigos, João e Mário, e suas respectivas esposas, para saborearem, em sua casa, um novo sabor de pizza por ele idealizado.
A pizza estava realmente fantástica! Após algumas taças de vinho, Mário teve a seguinte ideia: por que não abrir um restaurante e começar a vender essas pizzas? Afinal, ele, Mário, tinha um local apropriado para isso, e que não estava sendo utilizado. João, por sua vez, além de ser muito bem relacionado, tinha uma importadora de vinhos, e poderia abastecer o estoque do restaurante. Por fim, Pedro se encarregaria de fazer as pizzas. A ideia não tinha como dar errado!
Cerca de 90 dias depois, após as reformas no local e aquisição de mobiliário e equipamentos, a “Pizzaria dos Amigos” abria as portas (vamos abstrair, aqui, as questões das licenças, que serão objeto de outro artigo).
Você já conseguiu perceber o que está errado na história? Não? Calma, você já irá descobrir.
Após oito meses de funcionamento, o movimento não foi como esperado. Os equipamentos adquiridos apresentaram problemas. Os empregados contratados também não colaboravam. Nos poucos dias que havia movimento, o atendimento não era bem prestado.
Bom, as contas começaram a atrasar, os cheques começaram a voltar, e os fornecedores começaram a cobrar. Eis que, em comum acordo, a “Pizzaria dos Amigos” fechou as portas. Mas os fornecedores não foram pagos…e agora, quem irá arcar com essa dívida?
- Da ausência do contrato social
Os leitores mais atentos devem ter reparado que Pedro, João e Mário não formalizaram a sociedade. Ou seja, não elaboraram o contrato social. Como se conheciam há muito tempo, a confiança que tinham um no outro era muito alta, sendo tudo resolvido no “fio do bigode”. Resolveram, então “deixar essas burocracias para outra hora”.
Acontece que, se não há contrato social, ou este não é levado à registro (na Junta Comercial, se atividade empresária, ou no Cartório de Registro de Pessoa Jurídica, se atividade não-empresária), configura-se o que o Código Civil de 2002 chama de “sociedade em comum” (sociedade de fato ou sociedade irregular – as diferenças terminológicas não vêm ao caso, pois as consequências são as mesmas). Mas você deve estar se perguntando o que é isso…calma, iremos ver abaixo.
- Da sociedade em comum
No direito empresarial, mais especificamente no direito societário, chama-se de sociedade em comum a sociedade que não tem personalidade jurídica (é uma sociedade despersonalizada) em razão do não cumprimento das solenidades legais exigidas (registro do ato constitutivo). Como a sociedade em comum não é um sujeito autônomo de direitos e obrigações (ou seja, por não se tratar de uma pessoa jurídica) a quem possa ser imputada a atividade exercida (a comercialização de pizzas, no caso), aqueles bens destinados ao exercício da atividade empresarial (mobiliário, maquinário…) compõe um patrimônio especial que pertence aos próprios sócios, em condomínio (art. 988 do Código Civil). Assim, esses bens não são da pizzaria, mas dos sócios.
Porém, na sociedade em comum, os sócios respondem solidária e ilimitadamente pelas dívidas
O que isso quer dizer? Quer dizer que, caso aquele patrimônio especial que pertence aos sócios, em condomínio, não seja suficiente para saldar os débitos, os sócios responderão com seu patrimônio pessoal por eventuais dívidas feitas pela e em nome da sociedade “de fato”.
Porém, essa preferência para que primeiro sejam executados os bens do patrimônio especial (chamado de benefício de ordem), não se aplica ao sócio que contratou pela sociedade (por ex, se foi Pedro quem adquiriu toda a mobília, em seu próprio nome, e esta não foi quitada, o credor poderá buscar os bens pessoais de Pedro, antes mesmo de tentar executar os bens do patrimônio especial, mesmo que a mobília tenha sido utilizada exclusivamente na pizzaria, e não para uso pessoal de Pedro).
Assim, a regra geral é que primeiro responde pelas obrigações contraídas pela sociedade em comum o patrimônio especial constituído a partir das contribuições dos sócios. Apenas quando exaurido esse patrimônio especial, todo o restante do patrimônio dos sócios é chamado a responder, salvo quando se tratar do sócio que praticou o ato pela sociedade, que já responde diretamente com todo seu patrimônio, sem necessidade de exaurimento do patrimônio especial.
- O final da história…
O final da história é que agora Pedro, João e Mário terão que se desfazer de patrimônio pessoal para saldar as dívidas que foram contraídas pela sociedade que naufragou. O que era para ser um sonho, tornou-se um pesadelo.
Caso tivessem elaborado e registrado o contrato social, poderiam ter sua responsabilidade limitada (a depender do tipo societário escolhido), não tendo que arcar pessoalmente com tais prejuízos (salvo em casos de desconsideração da personalidade jurídica, que não vem ao caso, no momento).
- A importância da regular constituição
Ao final do artigo, você já deve ter percebido a importância de um contrato social bem feito.
A história é fictícia, mas que poderia muito bem ser uma história verdadeira, pois isso é bastante comum. No início da jornada, os empresários/empreendedores se prendem ao “core business”, querem “fazer acontecer”, fazer o negócio “rodar”, e acabam deixando de lado questões aparentemente burocráticas, mas que podem ser um grande dor de cabeça lá na frente.
O contrato social, além de personificar a sociedade, irá reger a relação entre os próprios sócios, tendo também outras funções. Assim, é perigoso utilizar qualquer modelo encontrado na internet, ou algum modelo-padrão, pois todo empreendimento tem suas especificidades. Por isso, mesmo aqueles que já tenham um empreendimento em funcionamento, com contrato social devidamente registrado, devem ficar atentos aos termos que nele foram colocados. Em artigo futuro, iremos abordar com mais calma os elementos que devem constar em um contrato social, sempre recomendando que sua elaboração seja feita por profissional devidamente habilitado, que, no caso, é o advogado.
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