Blindagem patrimonial: isso existe?
A chamada “blindagem patrimonial” é vendida como a solução dos problemas dos empresários, mas não é bem assim que funciona
A propalada “blindagem patrimonial” é o mecanismo adotado por empresários, sócios, investidores, com o objetivo de proteger seu patrimônio pessoal de problemas e encargos da pessoa jurídica.
Várias são as vantagens apontadas para sua adoção, dentre outros:
– redução de encargos tributários;
– separação do patrimônio pessoal e da sociedade;
– redução de riscos trabalhistas;
– redução de riscos por multa ambientais;
– redução de riscos fiscais e tributários;
– redução de riscos atrelados a disputas familiares;
– redução de riscos societários;
Comumente, aponta-se, para se operar a chamada blindagem patrimonial, a criação de “holdings”, criação de off-shores, criação de sociedades por ações, doação de bens a herdeiros, entre outros.
É bem verdade que o correto planejamento societário, sucessório e tributário é capaz de, efetivamente, atingir aqueles objetivos acima elencados. Mas, veja, a utilização desses mecanismos legais é capaz, sim, de apenas diminuir possíveis riscos do negócio.
Isso porque, dado os mecanismos existentes do ordenamento jurídico nacional, a tal “blindagem” não existe.
Nesse sentido, mesmo com a criação de holdings, off shores, etc, ainda assim será possível atingir os bens pessoais dos sócios, em caso de cometimento de alguma ilegalidade que a autorize. Nesse ponto, sabe-se que o instituto de desconsideração da personalidade jurídica, o qual, é verdade, é bastante banalizado em território nacional (pois deveria ser de utilização excepcional, mas, principalmente na Justiça do Trabalho, que é utilizado como praxe) consegue desconsiderar todas essas estruturas para atingir os bens pessoais dos sócios.
Vejamos um julgado do STJ que desconsiderou a chamada blindagem patrimonial:
AGRAVO INTERNO NO AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL. EXECUÇÃO.
DESCONSIDERAÇÃO DA PERSONALIDADE JURÍDICA. POSSIBILIDADE. REVISÃO.
SÚMULA 7/STJ. AGRAVO NÃO PROVIDO.
O Tribunal de origem, analisando pormenorizadamente a prova dos autos concluiu por manter a desconsideração da personalidade jurídica para atingir as empresas ora recorrentes uma vez que assentou haver farta comprovação de abuso de personalidade jurídica em razão do desvio de finalidade e confusão patrimonial, na forma do art. 50 do Código Civil, assim como a reiterada obstaculização, pela executada, ao cumprimento da decisão condenatória por meio da blindagem da personalidade jurídica.
Dessa forma, observa-se que o Tribunal de origem analisou a prova dos autos para concluir acerca da intrínseca relação entre as empresas, caracterizada pelos sócios, diretores e procuradores em comum, bem como mesmas atividades a se caracterizarem como componentes de um grupo econômico familiar, com desvio de finalidade e confusão patrimonial para o mau uso das empresas criadas.
Nesse contexto, o acolhimento da pretensão recursal exigiria a alteração das premissas fático-probatórias estabelecidas pelo acórdão recorrido, com o revolvimento das provas carreadas aos autos, atraindo o óbice da Súmula 7 do STJ.
Agravo interno não provido.
(AgInt no AgInt nos EDcl no AREsp 983.360/PR, Rel. Ministro LUIS FELIPE SALOMÃO, QUARTA TURMA, julgado em 10/10/2017, DJe 13/10/2017)
Com o advento da Lei da Liberdade Econômica, tentou-se reduzir a incidência da desconsideração da personalidade jurídica, o que, em tese, dará maior tranquilidade aos empresários. Porém, apenas com o tempo poderemos saber como nossos tribunais irão se comportar perante a nova legislação.
Já no que diz respeito a doação para herdeiros (antecipação da herança) não se pode desconsiderar que, a depender do caso concreto, pode restar configurada a fraude contra credores, o que torna ineficaz essa doação, conforme vemos abaixo:
PROCESSUAL CIVIL. AGRAVO INTERNO NO AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL.ANÁLISE DA IMPRESCINDIBILIDADE DAS PROVAS PRETENDIDAS PELA PARTE E DA DISTRIBUIÇÃO DO ÔNUS DA PROVA. REEXAME DO CONJUNTO FÁTICO-PROBATÓRIO DOS AUTOS. INADMISSIBILIDADE. INCIDÊNCIA DA SÚMULA N. 7/STJ. AÇÃO PAULIANA. PROVA DA SOLVÊNCIA. ÔNUS DO DEVEDOR. DOAÇÃO A FILHOS. CIÊNCIA INEQUÍVOCA DA FRAUDE CONTRA CREDORES. INEXIGÊNCIA.ACÓRDÃO RECORRIDO EM CONSONÂNCIA COM JURISPRUDÊNCIA DESTA CORTE.
SÚMULA N. 83 DO STJ. DECISÃO MANTIDA.
O recurso especial não comporta exame de questões que impliquem revolvimento do contexto fático-probatório dos autos (Súmula n. 7 do STJ).
No caso concreto, a análise das razões apresentadas pelos agravantes quanto à imprescindibilidade das provas pretendidas por eles e quanto à errônea distribuição do ônus da prova demandaria o revolvimento do conjunto fático-probatório, o que é vedado em sede de recurso especial.
Na ação pauliana, incumbe ao devedor provar a própria solvência.
Precedentes.
Não mais se exige a ciência inequívoca da fraude para anular a doação de bem celebrada entre pais e filhos operada em fraude contra credores. Precedentes.
Inadmissível o recurso especial quando o entendimento adotado pelo Tribunal de origem coincide com a jurisprudência do STJ (Súmula n. 83/STJ).
Agravo interno a que se nega provimento.
(AgInt no AREsp 1401474/SP, Rel. Ministro ANTONIO CARLOS FERREIRA, QUARTA TURMA, julgado em 09/09/2019, DJe 16/09/2019)
Portanto, encerramos este artigo concluindo que um correto planejamento societário, sucessório e tributário, certamente diminui os riscos da atividade empresarial, mas, por outro lado, não são capazes simplesmente de exclui-los.
Em artigos posteriores, traremos casos reais de tentativas de blindagens patrimoniais que foram frustradas (pois feitas com verdadeiro intuito fraudulento) após um trabalho de recuperação de créditos e busca de ativos.
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